Para estudiosos de outras áreas, três anos pode parecer tempo demais para se fazer uma pesquisa. Eu mesma, durante todo este período deparei-me com estudantes/pesquisadores de outras áreas que entraram no SL para fazer seus TCC ou mesmo dissertações de mestrado e que em algumas semanas haviam levantado tudo o que consideravam relevante, incluindo observações e a realização de muitas entrevistas.
Eu ficava pasma com tanta eficiência e objetividade, mas sabia que a qualidade de minha observação dependeria do tempo maior que pudesse despender em trabalho de campo. Era preciso ter paciência para ver, escutar, aprender, co-presenciar situações, anotá-las e, em seguida pensar a respeito delas, através do diálogo com a teoria antropológica. A menos que eu estivesse naturalizando muitas situações, tinha de ter cuidado para saber que, antes de quaisquer análises teria muito o que aprender e a observar ali. Desde o início percebi que o tempo poderia ser meu grande aliado.
Insisto na questão do aprendizado, porque considero este um aspecto fundamental da pesquisa de campo envolvendo tecnologia digital. Não se trata de preciosismo, mas é preciso ter em mente que ao fazermos pesquisa com a internet, qualquer que seja a nossa perspectiva, nossa investigação exigirá a escolha de uma plataforma ou interface como referência, a partir da qual construiremos o “nosso ponto de vista” sobre a rede.
Em termos sociológicos e antropológicos, uma visão genérica da rede e um discurso totalizante sobre “ciberespaço” e “cibercultura” não se sustenta mais e, nesse caso, a perspectiva etnográfica passa a ter maior vigência entre os antropólogos que trabalham com a rede. Em termos de estratégia de pesquisa, isso implica que a “entrada no campo” exigirá de nossa parte a aquisição de alguma familiaridade com uma dada plataforma e mesmo de alguma competência em relação a ela, no sentido de tê-la experimentado razoavelmente como usuários. Sem sombra de dúvida, considero que tornar-se usuário de fato de alguma plataforma é uma condição necessária para se fazer trabalho de campo com a internet.
No caso do Second Life esta discussão atinge outras proporções, pois tornar-se um usuário é mais que um visitante, mesmo que não se chegue a ser um residente, um nativo. Em outras palavras, para o antropólogo interessado em investigar este mundo virtual não basta conseguir entrar no ambiente, freqüentá-lo e interagir com os demais avatares, mas é preciso saber fazer as imersões com um certo grau de autonomia, isto é, saber alguma coisa a respeito do modo de funcionamento do sistema que sustenta este mundo virtual para não atrapalhar as imersões alheias com pedidos constantes de ajuda.
A etiqueta desta plataforma exige que após o nascimento do avatar, este se engaje por conta própria no aprendizado básico do sistema. Um fato que pude observar ao longo desse tempo foi ver avatares mais experientes bastante irritados com a negligência e a falta de interesse de outros mais jovens para aprenderem minimamente como lidar com as ferramentas do programa. Ensinar a usá-lo é uma tarefa importante que muitos residentes experientes levam a sério e se dedicam como uma espécie de missão, mas ela é diferente de colocar-se à disposição para demandas constantes, feitas sem critério e que revelam falta de compromisso para com o SL. Soa como uma espécie de indelicadeza e oportunismo para com aqueles que se empenharam e investiram boa parte de seu tempo de imersão no aprendizado do programa.
Sem dúvida, a experiência de um avatar se mede pelo "capital social" que ele acumula na condição de residente, mas também na capacidade que ele tem de agregar mais conteúdo e valor ao SL, contribuindo para o seu desenvolvimento e avanço enquanto plataforma. Isso inclui saberes e fazeres que não dizem respeito somente à construção e aprimoramento das criaturas, personagens (avatares) e suas respectivas redes de relacionamento, mas se referem à manutenção e reprodução daquele ambiente como um todo, algo que exige uma perspectiva colaborativa e um esforço coletivo constante.
Embora não haja ainda um conceito de "cidadania" e de "civilidade" plenamente desenvolvidos no Second Life, percebo que a noção de “residente” inevitavelmente caminhará nesta direção, ao supor cada vez mais um conjunto de obrigações e contrapartidas – explícitas e tácitas – da parte daqueles que desejam se instalar no SL para desenvolverem suas “segundas vidas”. Já foi o tempo em que estar ali apenas para divertimento ou fruição das vantagens do ambiente não constituía nenhum problema.
Hoje em dia, as externalidades desta postura descompromissada tornaram evidentes o caráter problemático e predatório dela, constituindo talvez o primeiro grande “problema social” do SL. Ao permitir uma “relação fraca” com a plataforma, a própria LL desobrigou os “visitantes” a terem qualquer compromisso ético com ela. O fato é que essas “relações fracas”, baseadas na idéia de que o SL é apenas um playground é o que em grande medida tem facilitado o seu uso para a prática de infrações e delitos digitais variados que acabam prejudicando a vida de tantos residentes que estão ali desenvolvendo sua criatividade. O que fazer?