sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Sobre o Second Life (1)

Além das questões impostas pelas travessias e deslocamentos sucessivos RL/SL (abreviações para Real Life e Second Life) e vice-versa, o meu segundo problema etnográfico veio à tona quando tive de começar a explicar às pessoas da RL os interesses que me levaram a estudar o Second Life e do que se tratava, especialmente levando em conta a precariedade das informações veiculadas pela mídia brasileira sobre esta plataforma, mesmo aquela especializada no assunto. As surpresas e estranhamentos diante do meu campo me obrigaram a fazer algumas reflexões.

Em primeiro lugar, ficou patente que a maior parte de meus interlocutores RL – de mesma geração ou não – possuíam pouca familiaridade com os jogos virtuais. Assim, quando não apresentavam um olhar suspeito, traziam consigo uma perspectiva etária/demográfica do fenômeno, como algo relacionado ao mundo infantil, adolescente, no máximo à juventude.

Quanto a esta última representação ela não deixou de ser pertinente e significativa, porém não foi suficiente para explicitar o conceito de juventude em pauta, mas ao contrário, suscitou outras questões sobre o entendimento e representações que essas pessoas possuíam acerca do que vem a ser esta categoria em face das demais fases da vida, especialmente quando entra em cena a questão do consumo e do consumo de tecnologia em particular.

Isso não significa dizer que os games não possam ou não devam ser primariamente associados à juventude, mas minha etnografia demonstrou de forma cabal que categorias como "jovem" e "juventude" em outros contextos sofreram inúmeras transformações e tornaram-se extremamente flexíveis quanto às fronteiras, possibilidades de manipulação, usos e formas de apropriação, especialmente com o uso das TIC´s.

De qualquer modo, isso vale para o Second Life onde a "juventude" não é exatamente uma fase da vida, ou mesmo um problema etário, demográfico, mas  uma condição estabelecida como um “dado” (os avatares "nascem" todos jovens e não costumam morrer) e como um valor moral tal qual a felicidade e a beleza, por exemplo. De fato, toda a utopia do Second Life se baseia no pacto em torno deste triângulo - Beleza, Juventude, Felicidade - amalgamado pelo consumo de bens que não possuem, em princípio, utilidade alguma - o que contribui para corroborar a tradicional imagem de consumo conspícuo, frivolidade e entretenimento.

Em todo o caso é curioso observar como esta utopia apesar de parecer profundamente uniforme, homogeneizadora, ou mesmo ingênua e frívola permite a produção de diferenças e singularidades, no sentido romântico (Romantismo) do termo. Da mesma forma, muito embora não pareça, a criação deste mundo envolve uma grande complexidade, como podemos entrever através de vídeos  e imagens postadas pelos residentes, como as duas machinimas abaixo, de autoria de um mesmo avatar, Tommylee Nightfire.


New Shoes from Tommylee Nightfire on Vimeo.


Farewell from Tommylee Nightfire on Vimeo.

4 comentários:

  1. Eu também tive que enfrentar esse problema da perspectiva etária/demográfica quando apresentei um seminário sobre Direitos da Personalidade (o que podemos entender como...) na Pós-graduação em Direito da UFPE. Aparentemente, a audiência ficou convencida de que se tratava de um fenômeno social quando apresentei alguns vídeos de casamentos realizados no SL. Eles, então, perceberam que o convívio social proporcionado pela experiência SL não tem a ver com faixa etária. Mas essa foi minha impressão, pois ainda percebi resistência às idéias ao longo do seminário. Parabéns pela iniciativa! Vou acompanhar de perto...

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  2. De fato, as resistências são muito grandes para se tratar os games e os mundos virtuais como coisa também de "gente grande". Obrigado Jaziel.

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  3. Os próprios cientistas sociais tomam temáticas do "ciberespaço" como futilidade, o que torna mais desafiadora a empreitada de tomar as TIC's como campo e objeto de análise. Sou professora do quadro permanete de Antropologia da UFES e tenho tanto na oferta de disciplinas como "Antropologia e Tecnologias" (onde as TIC's são o meu recorte) quanto orientação de monografias enfrentado enorme resistência dos colegas. Você tem algum artigo ou texto com resultados da sua pesquisa? Fui sua aluna em 2000 no antigo PPGACP/UFF. Abraço. Patricia Pavesi.

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  4. Oi Patricia, tudo bem?
    Sim, vc tem razão ainda enfrentamos entre nós mesmos o preconceito e a discriminação. Paradoxalmente entre antropólogos existe a distinção entre objetos nobres e não-nobres e nós que trabalhamos com consumo, tecnologia, tic´s temos sido sim bastante discriminados. Mas acho que a coisa está mudando, até porque não tem outro jeito.
    Tenho um artigo sobre fansites no Horizontes Antropológicos. Sobre o Second Life ainda não publiquei em revistas acadêmicas, mas estarei fazendo isso em breve.
    Um abraço

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