sábado, 19 de dezembro de 2009

A dor e a delícia de ter um Avatar (1)

Depois de quinze anos de produção chega às telonas o mais novo filme de James Cameron – Avatar. Para quem gosta do gênero sci-fi será um prato cheio para muitas discussões sobre temas que relacionam ficção científica, ambientalismo, sustentabilidade, política, racismo, até o amor romântico (politicamente correto?) entre um avatar espião e uma nativa alien de um planeta distante, Pandora. O cardápio não poderia ser mais variado, visando diferentes gostos e latitudes. Não creio ser mera coincidência que a estréia mundial de Avatar tenha sido marcada finalmente para o dia do encerramento da conferência de Copenhagen, 18 de dezembro de 2009.

Mas não foi para discutir os aspectos ambientais, políticos ou estéticos de Avatar que o trouxe aqui. Minha questão foi aproveitar a ocasião da estréia do filme que promete “mudar os rumos do cinema” para lembrar um detalhe que durante toda esta avalanche publicitária não está sendo devidamente levado em conta. Ter um avatar não é mais uma experiência exótica para usos e finalidades remotas somente: ela já faz parte da vida cotidiana de milhões de seres humanos comuns: pobres, ricos, feios, bonitos, jovens, adultos, tetraplégicos, solitários e anti-sociais empedernidos ou não, que não precisam sair sequer de suas casas para irem ter com seus avatares.


No meu modo de ver os melhores momentos de Avatar são aqueles em que o filme explora esta que é a experiência mais comum e ao mesmo tempo mais surpreendente, intrigante e atraente do RPG e dos jogos virtuais: a dor e a delícia de se ter um avatar! Muitos gamers com quem conversei nesses anos me confessaram que este é o grande fascínio desses jogos, razão pela qual eles se tornaram uma das formas de entretenimento preferidas dos jovens e dos não tão jovens assim
.

Embora o filme não faça referências ao RPG, aos jogos ou mundos virtuais existentes, eles se fazem presentes de vários modos. Por isso mesmo, arrisco-me a dizer que Avatar não traz grandes novidades para aqueles que praticam esses jogos, a não ser o visual impactante, espetacular, grandioso, um 3D superlativo e tecnologicamente perfeito que os games virtuais ainda não oferecem, mas que não tardarão a fazê-lo. Cá entre nós, não estranharei se em muito pouco tempo não me deparar com réplicas no SL de azulões Na’Vi. Também não duvido nada que algum aficionado recrie no grid uma ilha de RPG inspirada em Pandora, com uma natureza tão exuberante quanto.


Para quem não é familiarizado com RPG, games e mundos virtuais, fica a observação de que a melhor coisa do filme é, sem dúvida, a história da relação de Jake Sully com seu avatar, bem como a dramatização ficcionalizada do seu processo de “deslocamento”, começando pela cena da empatia inicial (absolutamente necessária!), o “transporte” propriamente dito do corpo para o "corpo alternativo", até o momento final da conexão quando então nos deparamos com o olhar do avatar e sabemos que uma parte de Jake está ali.


Creio ser a primeira vez que o cinema narra a experiência deste processo de transporte e Cameron dá uma dica importante: apesar de concebidos para serem apenas “corpos alternativos”, extensões a serem pilotadas por humanos, após a conexão os avatares não se comportam mais como meras extensões deles, ao mesmo tempo em que não se tornam inteiramente “outros”. Algo acontece e se você pensou em híbridos, tanto melhor...começa a entender a lógica desta cultura.

Em contrapartida, a situação de bipolaridade apresentada pela cientista Grace Augustine com seu avatar não deixa também de ser uma concessão do diretor ao estereótipo ou à caricatura que a mídia tradicional gosta de fazer da psicologia dos gamers e do envolvimento que possuem com suas criaturas, como se tratasse simplesmente de uma relação de dependência. No filme, uma vez conectada ao seu avatar, ela é uma pessoa de bem com a vida, mas separada dele torna-se uma pessoa difícil e estressada.


Seja como for, de forma romântica ou caricatural, os avatares estão chegando à cultura de massas. Inicialmente restritos ao universo do RPG e dos jogos virtuais, como aquilo que os diferenciavam das demais mídias massivas e formas de entretenimento, eles estão sendo descobertos pela televisão e o cinema que estão se dando conta do filão a ser explorado pela dor e a delícia de se ter um avatar!

Segue um ensaio feito no Second Life by Plasticbade


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