quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Paisagem e Memória (1)

Para aqueles que imaginam mundos virtuais dominados pelo visual high tech, por paisagens urbanas, pós-urbanas e pós-industriais decadentes, ou ainda pós-modernas, o SL surpreende exatamente pela diversidade e exuberância de suas “paisagens naturais”, suas inúmeras recriações de florestas, montanhas, rios, lagos, bosques, jardins, cachoeiras, cavernas etc.

O observador interessado poderá detectar os contornos míticos e encantados que estas paisagens apresentam e o quanto elas são comparáveis àquelas presentes na literatura românica (Idade Média em diante), sem contar as influências góticas trazidas e muito presentes nas ilhas de RPG, tudo isso devidamente acompanhado de muitos rumores de anjos, vampiros, monstros, seres imaginários de todas as espécies, além da arte romântica (pintura e literatura) propriamente dita. Temos aí uma proposta nítida de reencantamento do mundo.

É claro que nada disso exclui paisagens modernas, realistas e/ou modernistas, com seus respectivos imaginários da cidade moderna ou modernista, com destaque, inclusive, para expressões críticas a respeito, além da presença do pós-modernismo futurista de artistas como Scope Cleaver e outros, e sobre as quais falarei mais adiante.

Contudo, arrisco-me a dizer que este mundo virtual é surpreendentemente romântico e este aspecto é um ponto a ser explorado quando se trata de compreendê-lo do ponto de vista de sua antropologia e de uma sociologia da cultura. O que este excesso de apelo romântico quer dizer, exatamente, a estas alturas dos acontecimentos? No meu entendimento não se trata apenas de um apelo nostálgico, passadista. Há mais coisas entre os prims e os pixels.

Muito embora igualmente expostos à cultura de massas, a maior parte dos grupos que participa do SL trouxe para o 3D suas referências literárias nacionais ao recriar ambientes naturais e a matéria – o ar, a água, a terra, o brilho da luz do sol e da lua, astros, a flora e fauna, etc, ao mesmo tempo que suas respectivas tradições pictóricas. Por isso chamou-me atenção a participação, mesmo que relativamente discreta dos museus.

Sabe-se que no mundo moderno os museus foram muito importantes no processo de nation building, especialmente no que se refere à socialização dos indivíduos no repertório de valores estéticos, espirituais e morais considerados fundamentais para as nações, que uma vez identificados ou mesmo associados a determinados objetos – uma pintura, uma escultura, por exemplo – fizeram deles seus símbolos nacionais.

Diria que a cultura museográfica se encontra presente no SL de várias maneiras. Não apenas nas referências a artistas, escolas, cronologias, motivos, temas, mas, sobretudo, nos modos de apresentação da imagem – e da paisagem – que os museus instituíram e que implicam tecnologias do olhar específicas.

Através de exposições permanentes abertas ao público, gerações de cidadãos foram apresentadas a esses objetos sagrados assim dispostos. Neste caso, a internalização dos valores associados a eles não se fez meramente a partir de sua forma ou conteúdo propriamente imagético, mas também dos modos de sua apresentação e contemplação devidamente ritualizados. Os museus, juntamente com as exposições de fotografia e o cinema instituíram modos de ver e perceber o mundo material ou a materialidade do mundo, como na reprodução de um ícone da pintura romântica, bastante conhecido no SL por causa de AM Radio, um artista que nele se inspirou e o utiliza em seu profile.

...Antes de ser um repouso para os sentidos, a paisagem é obra da mente. Compõe-se tanto de camadas de lembranças quanto de estratos de rochas...
(Simon Schama, Paisagem e Memória)

2 comentários:

  1. Profesora Laura, levo algum tempo procurando seu livro sobre, O brasil não é para principiantes, me encontro em Sao Paulo, mas volto para Colombia na sexta feria. Voce poderia me falar do que jeito posso adquirir seu livro? Fico antenta a sua resposta.

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  2. Olá Diana,
    O livro é uma coletânea de artigos de outros autores organizado por mim, Livia Barbosa e José Augusto Drummond. Ele foi publicado em 2000 pela Editora da FGV, Rio de Janeiro. Creio que vc poderá encontrá-lo em sebos ou então na própria livraria da FGV de SP, caso ainda houver exemplares disponíveis. Abraço!

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